O caso da galinha preta
Era uma terça-feira. Meus instintos diziam que aquele seria um dia de revelações bombásticas. Ele me dizia também que se eu dormisse mais um pouco, me atrasaria para o serviço. Mas não custaria nada dormir mais cinco minutos; e foi o que fiz. Só não sabia que esses cinco minutos se transformariam em vinte. Aos berros – algo como “Acorda seu irresponsável!” – fui acordado por meu pai. Já se passava das 6h40 e atrasos não são toleráveis quando se recebe um salário mínimo. Tomei um banho de quinze minutos. Creio que dez deles foram para levantar o braço e pegar o xampu, que fica próximo à janela do banheiro; os outros cinco minutos foram necessários para que eu percebesse que não conseguiria me ensaboar e o único jeito era sair dali. Aos trancos e barrancos, ingeri aquilo que chamo de café da manhã – umas bolinhas marrons, mais conhecidos como cereais. Já se passava das 7h10. Sai correndo feito um louco, porque o fretado passa pontualmente às 7h15. Os cachorros me fizeram companhia, com dentes à mostra, até o ponto de ônibus.
No ônibus a tal revelação bombástica se concretizara. Edson, um amigo do serviço, foi logo me contando que no dia anterior algo muito estranho acontecera em sua unidade. “Não acredito que tiraram o café de suas reuniões estruturadas!”. Não era isso, graças a Deus! Na verdade se tratava de uma suposta macumba feita dentro do laboratório da MARL. Nalvinha, funcionária responsável pela limpeza do local, era a principal suspeita.
No ônibus a tal revelação bombástica se concretizara. Edson, um amigo do serviço, foi logo me contando que no dia anterior algo muito estranho acontecera em sua unidade. “Não acredito que tiraram o café de suas reuniões estruturadas!”. Não era isso, graças a Deus! Na verdade se tratava de uma suposta macumba feita dentro do laboratório da MARL. Nalvinha, funcionária responsável pela limpeza do local, era a principal suspeita.
Segundo Edson, no dia anterior às 6h30, um grupo de funcionários encontrou Nalvinha tirando uma galinha preta do laboratório. A rádio peão confirma a tese de que todas as sextas-feiras são feitos trabalhos, a sabe-se lá qual santo, próximo a empresa, e que funcionários desta já foram vistos com a mão na massa. Estes fatos, juntamente com as revelações bombásticas de Edson, tornaram tudo mais misterioso.
Edson me pediu que redigisse alguma coisa sobre o ocorrido, mas decidi fazer algo mais bem elaborado. Faria um vídeo-reportagem, cujo principal objetivo era de gravar o depoimento da principal envolvida, Nalvinha.
Carreguei minhas pilhas, esvaziei meu cartão de memória e preparei, com todo o cuidado, a pauta da entrevista dentro do escritório onde trabalho. Fiz uma rápida pesquisa sobre o candomblé, para ter mais ou menos a noção do que iria enfrentar. Minha cabeça fervilhava. O mistério, em torno dos recentes relatos, me perseguia. Seria verdade ou mentira? Não sabia responder àquilo. O único jeito era ir direto à fonte e a todas as pessoas envolvidas.
Eram 11h, meu horário de almoço chegara. Não podia desperdiçar meu tempo com os quitutes do restaurante. Utilizei esse tempo para caçar informações. Fui direto ao laboratório, na MARL. Edson já me esperava. Fizemos uma rápida vistoria no local aonde tudo começara. Nada de sangue, óbvio. Em seguida fomos buscar informações com os funcionários que viram Nalvinha tirar a suposta galinha preta do recinto. Eles reafirmaram a estória de Edson. Só faltava o depoimento de Nalvinha. Mas onde estaria a infeliz?
Eu e Edson reviramos a ETA na esperança de encontrar Nalvinha. Não estava na oficina, não estava no laboratório, não estava no restaurante; não estava em nenhum lugar! Suspeitamos então, que ela talvez estivesse fazendo mais algum trabalho, mas não queríamos criar expectativas. Continuamos a busca. As pessoas perceberam nosso real interesse e se propuseram a ajudar. Agora todos buscavam por Nalvinha. Era uma verdadeira caça ao tesouro. Já estávamos cansados e paramos para descansar próximo à copa, quando de repente, a suposta macumbeira sai do banheiro com um rolo de papel higiênico na mão. Todos olham com aquele olhar “Mas o que você está fazendo aqui?”, e ela pergunta assustada:
- O... O que foi? Será que eu não posso “cagar” agora?
- NALVINHA! – gritamos eu e Edson – Você não acredita o quanto a procuramos. Será que você não nos daria alguns minutinhos para uma entrevista.
- Entrevista? Mais que “diacho” de entrevista é esta? Pra quê?
- Ora, por causa da galinha... Quero dizer, por causa da ave no laboratório. – disse a ela.
- Ah, mas não teve nada de...
- Não precisa dizer nada agora. – cortou Edson - Vamos até a copa conversar.
Nalvinha aceitou nossa proposta e nos dirigimos até a copa. Deixei Edson encarregado das filmagens, enquanto eu, com perguntas prontas no papel, me preparava para fazê-las. Deixamos Nalvinha sentada numa cadeira e iniciamos a entrevista.
- Nalvinha... Estórias rondam por toda a ETA e que tem VOCÊ como principal envolvida. O que a senhora estava fazendo com uma GALINHA PRETA dentro do laboratório?
- Eu? Mas eu estava tirando um que...
- Eu sei que você estava trabalhando com a limpeza do local, mas me explique esta estória direito.
- Pois é isso que eu quero explicar. É que eu encon...
- Nalvinha, o que você tem a dizer sobre os pratos de barro encontrados em frente à empresa. Você acredita em macumba?
- Macumba? Deus me livre! Sou católica apostólica baiana... Digo...
- Então quer dizer que você tem contato com esse tipo de coisa?
- É isso que eu quero dizer, eu não tinha...
- Tá certo. Você não faz parte do candomblé, mas simpatiza com despachos nos fins de noite?
- Não!
- Então me expli...
- DEIXA EU EXPLICAR!!! – berrou Nalvinha
- Tá... Tá certo – concordamos assustados.
- Não teve nada de galinha preta, macumba ou despacho. Eu estava tirando um Quero-Quero de dentro do laboratório...
- QUERO-QUERO? – indagamos surpresos.
- Sim! É aquele bichinho com a perna fina. Essa estória de galinha preta é invenção do povo que não tem o que fazer. Sou católica e não acredito nessas coisas não!
Não sou jornalista, mas isto é um baita “furo jornalístico”; graças à rádio peão.
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